TÍTULO: “NÃO BASTA SER CONTRA O RACISMO. É PRECISO SER ANTIRRACISTA”

Enfrentar o racismo é também papel da educação. Nesse tema, Waldete Tristão é uma referência. Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP), Mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP), com mais de 30 anos de experiência em salas de aulas e na gestão pedagógica e administrativa de Escolas de Educação Infantil (EMEIs) e Centros de Educação Infantil (CEIs) em São Paulo, ela ajudou a formar profissionais mais conscientes e preparados e moldar diversas práticas no ensino. Em entrevista, ela fala um pouco sobre o trabalho junto ao Friburgo, Casinha Pequenina e Maple Bear Granja Julieta e a importância do envolvimento dos educadores e das famílias nesse processo.

Colégio Friburgo – Como enfrentar o racismo? Por que a você costuma dizer que não basta apenas não ser racista?
Waldete Tristão – Porque não é suficiente as pessoas dizerem: “Eu não sou racista”; porque o importante é ser antirracista. É preciso, por exemplo, que as pessoas brancas primeiramente reconheçam que vivemos numa sociedade estruturalmente racista e que ser antirracista implica em ter atitudes que combatam o racismo. Está mais do que na hora das pessoas encararem seus privilégios e responsabilidades raciais — entre elas, a perpetuação do racismo e o necessário engajamento para desconstruí-lo.

Trabalhar o tema na educação infantil e nas primeiras séries é fundamental? Como fazer isso de modo efetivo?
É fundamental que as relações raciais sejam trabalhadas com todas as crianças, desde a educação infantil. E, em se tratando da escola, é importante que conste em sua proposta pedagógica o compromisso em apresentar e celebrar as variadas culturas. História e cultura presentes nos brinquedos, filmes, desenhos animados e músicas contribuem para que crianças e adultos vivam experiências que ampliam os saberes de modo a valorizar a história e cultura de africanos e afro-brasileiros.

Como tem sido os encontros no Friburgo, Casinha e Maple?
Inicialmente, essa intervenção tem como objetivo proporcionar a reflexão sobre o papel da escola no combate ao racismo e às discriminações em razão do pertencimento racial das crianças. Neste sentido, meu compromisso é fortalecer a responsabilidade de todos os profissionais da educação com a formação de uma sociedade justa, fraterna e nada racista. Isso implica necessariamente na educação e reeducação das relações raciais e no ensino e aprendizagem dos conteúdos relativos aos povos africanos e afro-brasileiros.

Você fará um encontro on-line com os pais e responsáveis. Quais são suas expectativas para esse encontro e o que pretende conversar com eles?
A família é a primeira instituição na qual as crianças inseridas, no mundo. E, para além dela, estão imersas num caldo cultural que promove inúmeras interações e aprendizados. É observando os adultos e outras crianças que elas reproduzem aquilo que experimentam. Pesquisas comprovam que as crianças podem ter atitudes racistas que são aprendidas nestas relações com familiares, na instituição religiosa, no clube, entre outros espaços sociais. E é nesse contexto que a parceria entre a família e a escola se torna relevante na educação de crianças antirracistas.

A luta antirracista é, acima de tudo, humana e contra a opressão. Pode ser de raça, cor, classe, gênero ou outra. Qual é o grande perigo de ignorar e não tratar o assunto?
É necessário não perder de vista que o racismo é um tipo de opressão e existe enquanto uma construção social que historicamente tem promovido a desigualdade de acesso a direitos e oportunidades para as pessoas negras. O combate ao racismo é indispensável para qualquer mudança, sendo assim, sem uma educação efetivamente antirracista, não é possível pensar em uma sociedade igualitária.

Nesses anos todos tratando o assunto como educadora, muitas histórias devem ter tocado seu coração. Pode contar uma delas para nossos leitores?
Há algo que chama muita atenção no campo das relações raciais, que é a distribuição desigual de afeto, especialmente em relação às crianças negras. Sempre conto a história da Elisa, uma menina que, aos 2 anos de idade, percebeu que a professora penteava com muito carinho e cuidado os cabelos da sua colega branca. Contou-me a professora que a Elisa se aproximou e simplesmente perguntou: “E eu?”. E foi então que ela seria a próxima e seus cabelos crespos também seriam tocados. Em minha avaliação, a atitude da professora revela que ela estava atenta e demonstrou para todas as crianças que a diferença é valorosa.